Vinicius de Figueiredo (1965-2025)

2025-02-03

“Se a Primeira meditação arrola argumentos e encadeia conclusões, a eficácia de sua ordem requer o engajamento de alguém dotado de entendimento, vontade e paixões – o comprometimento do leitor é indispensável. Longe de ser uma cadeia dedutiva das teses e argumentos, a narrativa em primeira pessoa volta-se para a paulatina suspensão das certezas sobre as quais se apoia o leitor até abrir o texto. Ao fim e ao cabo, a única certeza que resta é “que no mundo não há nada de certo”. Parece-nos decisivo observar que a inflexão para o “penso, logo existo” – a primeira certeza indubitável – é precedida pelo confronto progressivo entre as razões da dúvida e os contrapontos da crença, cujo desenlace não vai sem certa perturbação: “A meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu alcance esquecê-las”. A sedimentação dos resultados na experiência do sujeito, que logo se dá conta de que o caminho percorrido é uma via sem volta, revela que o exame dos argumentos na Primeira meditação está longe de ser impessoal; ao contrário, ela produz uma mudança de hábito (assinalada pelo “não está mais em meu poder…”) que atesta a eficácia de suas conclusões”. (A paixão da igualdade. B. Horizonte: Relicário, 2021, pp. 46-47.)

 

– Vinicius de Figueiredo, que nos deixou aos 60 anos, tinha o hábito de escrever como quem fala e de falar como quem pensa. Naturalidade que lhe permitia lidar com a filosofia sem atropelos, sem precipitação, com uma delicadeza e uma finura que tornavam interessante tudo o que ele fazia. Escrevendo para os seus pares, colegas de “geração”, como se costuma dizer, manteve ao mesmo tempo um diálogo cerrado com os mestres que o introduziram no ofício. Mas esse comprometimento e essa seriedade nunca pesaram sobre o seu texto; ao contrário, justificavam como necessário o que ele escrevia. Pouco importa se as suas interpretações arrojadas estavam “certas” ou não, eram sempre pertinentes. Mais de uma vez testemunhei a abertura do público mais jovem ao seu trabalho, que assim respondia ao anseio de encontrar na filosofia essa espécie de densidade que vem da frequentação dos textos “clássicos” – incluindo todo um repertório da filosofia brasileira mais recente. Os que o conheceram pessoalmente ou mesmo privaram de sua amizade jamais esquecerão o trato urbano, o humor autodepreciativo, a abertura intelectual e o exercício constante e renovado da dúvida. Virtudes que a filosofia recomenda, mas que poucos foram capazes de reunir com tanta graça.

 

Pedro Paulo Pimenta

Revista Discurso

 

Artigos de Vinicius de Figueiredo na Revista Discurso:

Pascal, Rousseau e Kant: variações do pensamento dualista moderno (12/11/2024)

A Reflexão no último livro de Giannotti (17/12/2021)

Diderot e as mulheres: um debate do século XVIII (19/08/2015)

A reconstituição da moral na Crítica da razão pura (10/07/2004)

Reflexão e determinação práticas em Kant (02/10/2008)

Pressupostos da dedução transcendental (B) (09/08/1992)