Era um som que eu via — Maria Velho da Costa e o engajamento entre o verbo e a imagem

Autores

  • Susana Vieira Universidade Nova de Lisboa

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v16i32p191-200

Palavras-chave:

Verbo, Imagem, Limite, Porosidade, Diálogo

Resumo

“La Dame à la Licorne”, tapeçarias do século XV, são uma alegoria dos cinco sentidos e o mote que interrogou Maria Velho da Costa, escritora portuguesa do contemporâneo literário experimentalista que, sobre esse universo, viajou “Para que uma nova viagem — a do leitor — comece, por sua vez”. É o texto “A vista” (inserido na obra coletiva Poética dos cinco sentidos) um desafio aos “contos na boca”, às “mãos que me afagaram na infância”, ao “bafo no primeiro espelho”. Apesar do recurso a um mecanismo de retórica ecfrástica, há um processo inverso na expansão do inespecífico, porquanto MVC procura a palavra na tela pintada, o “incriado”, não fosse a escrita um agente, por excelência, da metamorfose. A interseção entre verbo e imagem resulta numa estrutura da ordem do sensível, que problematiza os limites impostos pela poética clássica. Numa condição pós-moderna, o novo objeto estético profana a lei do pertencimento e desloca, confunde, funde os diversos meios de expressão num diálogo polifónico. Mais que um discurso que descreve, há uma inscrição do eu, na medida em que, convocando os diferentes sentidos, percebe-se a formulação de um corpo que se ensaia “da passagem dos animais e dos sons”, como um “paraíso íntimo” que se dá à contemplação, até formar um “lugar próprio”, o do “puro desejo”. Questionar-se-á se este corpo poroso, atravessado pela palavra e imagem, poderá ser uma construção do sentido, não obstante tratar-se de desvio e fratura, num mundo em que, na base da inteligibilidade dos fenómenos, se deve a uma classificação que delimita e anuncia. Seguindo Floquet, Cluver, Agamben, Garramuño, Ducrot, Orlandi ou Greimas, problematiza-se a convergência dos planos artísticos, uma vez que o verbo não traduz o que vê; o observado é fragmentado no gesto da reposição escrita. Por isso, no seu intento, o texto é sempre uma falha.

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Biografia do Autor

  • Susana Vieira, Universidade Nova de Lisboa

    Doutoranda em Estudos Portugueses (Estudos de Literatura) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Licenciada em Língua e Cultura Portuguesas e pós-graduada em Crítica Textual pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Investigadora do CLEPUL — Universidade de Lisboa.

Referências

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Publicado

2024-12-26

Como Citar

Vieira, S. (2024). Era um som que eu via — Maria Velho da Costa e o engajamento entre o verbo e a imagem. Revista Desassossego, 16(32), 191-200. https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v16i32p191-200