Governar a miséria: escravidão, pobreza e caridade na América portuguesa no início do século XVIII
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2019.150493Palavras-chave:
escravidão, pobreza, sacramentos, caridade, miserabilis personaResumo
Em 1693, uma memória enviada ao rei de Portugal continha denúncias sobre a completa indiferença dos senhores em relação à doutrina, à vida sacramental e às exéquias dos escravos no Rio de Janeiro e em Salvador. Naquele mesmo ano, debates envolveram instâncias civis e religiosas no intuito de colocar noutros termos a desconsideração ritual em relação aos escravos. Nesse processo de reordenamento das atribuições que cabiam às esferas civis e eclesiásticas em relação ao governo doméstico dos escravos, foram particularmente importantes as obras de dois jesuítas – Jorge Benci e André João Antonil – e a normativa estabelecida pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1707. Neste artigo, pretende-se analisar como as controvérsias estabelecidas em fins do século XVII abriram uma nova perspectiva para a defesa ética do tratamento cristão dos cativos, tendo por base o princípio de autoridade, reivindicado pela Igreja, de governar espiritualmente os miseráveis.
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